domingo, 28 de fevereiro de 2010

Bronze

Dentre todas as incertezas que assolam a humanidade pelo menos para uma eu tinha uma resposta.

E eu posso afirmar melhor que ninguém que nunca fui merecedor de possuir qualquer espécie de conhecimento especial.

Na verdade sou o estereótipo do bonitão canalha que engana todo mundo pra se dar bem, rouba a mocinha do herói, e no fim acaba preso ou morto. E eu nem sou assim tão bonito.

E aí voltamos a questão inicial: a resposta.

O meu fim não foi diferente. O ponto principal é que a história deveria ter acabado, mas não aconteceu, e o que eu posso dizer a respeito disso é que morrer não dói.

Claro, não é agradável. É como uma grande escuridão e a única coisa clara na minha memória foi o embaçar da minha visão.

Sabe-se lá porque, podemos chamar de destino se for mais fácil para explicar, mas o caso é que
eu morri, e fiquei preso aqui, nessa pequena estátua de bronze que enfeita a penteadeira de uma garota chamada Lisa.

Eu a conheci enquanto estava vivo. Tão branca, os cabelos sempre tão negros em contraste, presos num rabo de cavalo perfeito.

Ela era linda, eu poderia descrever cada detalhe do seu rosto, e até do seu quarto, porém essa estátua que é meu novo corpo é novidade.

Não vou mentir dizendo que nunca tive interesse nela, porque tive, e justamente por isso me afastei.

Lisa era o tipo de garota que poderia ser a mocinha da história, mas ela é pobre, e as mocinhas são sempre as princesas.

Fico me perguntando o motivo de estar aqui.

Talvez a morte não seja castigo suficiente para alguém como eu.

Todos os dias, às seis da tarde ela chega, deixa a bolsa caída na poltrona, tira o sapato, alimenta o peixe dourado que tem do lado da cama, e tira a poeira que se acumulou em mim durante o dia.

Eu precisei morrer para descobrir a bondade nos pequenos gestos.

Eu sinceramente nunca acreditei no clichê do amor mudar as pessoas, ou mesmo em arrependimento.

Estou preso a essa maldição, e só pode ser isso, para toda a eternidade, e digo que não poderia ser mais irônico o fato de descobrir que existem pessoas que se importam sem esperar nada em
troca.

Justamente quando eu mais queria poder retribuir.

Eu acho que é isso né? Aconteceu para eu aprender o que deveria ter percebido antes de todas as coisas horríveis que fiz.

Não acho que conseguiria seguir em frente nem se quisesse.

Ainda não me arrependo de todas as coisas que aconteceram, afinal, cada uma delas colaborou para que eu me transformasse no que sou hoje.

Mas na verdade, é inaceitável ir para algum lugar onde eu não possa ver, nem sentir os delicados cuidados que a pequena Lisa me faz, com tanta dedicação.

-Você me traz uma paz tão esquisita, pequeno.

E quando os lábios dela tocaram a minha pele de metal eu senti que meus olhos estavam embaçando de novo.

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